Seja bem-vindo a esse espaço no qual se pretende multiplicar conhecimentos pertinentes ao continente africano e de sua diáspora no Novo Mundo. É reconhecida a necessidade das trocas de saberes e a socialização do conhecimento na área da História, com vistas ao desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa na busca da inclusão de temas que contribuam para a compreensão da multiplicidade das experiências humanas e a criticar estereótipos organicamente naturalizados.



quinta-feira, 15 de abril de 2010

Clara e o encanto das 3 raças





Há 27 anos , mais precisamente em, 02.04.1983 ,perdíamos uma das mais ilustres intérpretes da música popular brasileira.
Seu nome: Clara Francisca Gonçalves, mais conhecida como Clara Nunes . Filiação : Manoel Pereira de Araújo e Amélia Gonçalves.
Mineira nascida em 12.08.1942, Cedro, no Distrito de Paraopeba, hoje Caetanópolis . Era a caçula de 6 irmãos : José Pereira Gonçalves, Maria P. Gonçalves, Ana Filomena Araújo Gonçalves, Vicentina P. Gonçalves, Waldemira Arcanja e Joaquim P. de Araújo.
Clara perdeu os pais muito cedo, o primeiro a falecer foi seu pai em 1944 e 4 anos depois sua mãe .
Começou a trabalhar em 1957 aos 14 anos de idade na Companhia Fiação e Tecidos Cedro e Cachoeira, como tecelã. Aos 15 anos saiu de sua cidade e foi tentar uma nova vida em Belo Horizonte com uma de suas irmãs (Vicentina), foram trabalhar na Companhia Renascença Industrial, residiam com seus tios e primas. Com 16 anos de idade começou a cantar de forma amadora, fora influenciada por vozes de divas como Elizeth Cardoso, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Carmem Costa, cantoras da época de Ouro da Rádio, no Rio de Janeiro, nos anos 50.Na Igreja Renascença havia um coral e interessada foi se apresentar, o líder do coro era um compositor renomado de Minas Gerais, Jadir Ambrósio. A menina então como falamos atualmente “deu uma canja”, cantando a música Por causa de você de Tom Jobim e Dolores Duran. Ambrósio percebeu logo que Clara seria uma estrela. Nessa época ,começava a namorar uma pessoa que seria bastante influente na sua vida social e profissional, era ele Aurino Araújo. Irmão do cantor da Jovem Guarda Eduardo Araújo, de família abastada mineira. Começou a se apresentar na Rádio Inconfidência .
Concorreu no concurso A Voz de Ouro ABC, tinha um segmento nacional e Clara foi a vencedora regional e posteriormente concorrendo com os outros vencedores de cada Estado, conseguindo a 3a posição. Conquistado o prêmio gravou um compacto pela Odeon e está seria a sua 1a e única gravadora de sua vida. E esta foi uma forma de começar a ficar em evidência, os convites eram muitos, passou a ser crooner. E como realmente não havia possibilidades de dar prosseguimento na fábrica aonde trabalhava, o que lhe restou foi pedir demissão.
Clara passava por um momento de transformação, se apresentava em programas de rádios e televisão mineiros. Chegou a ter um programa na TV Itacolomi. Mas como o sonho de quase todo artista que não se encontra em um plano geográfico que lhe supra as necessidades, ela resolveu trocar Minas Gerais pela metrópole carioca, chegando aqui no Rio em 1965. Entrando logo em estúdio pela Odeon, foi especulada para aderir a febre do iê,iê,iê. O mercado fonográfico possuía suas exigências (até hoje) e ao seu elenco só caberia ,obedecer.
No decorrer dos anos 60, interpretaria boleros e sambas-canções. A partir de 1964 foi instaurado o Governo Militar e os meios de comunicação estavam sob censura, as informações eram manipuladas e vários segmentos da sociedade sofreram transformações e retaliações e a cultura fez parte. E como qualquer indivíduo que fosse contrário a ideologia dos militares, eram tachados de subversivos e isso era o menos problemático, pois o Governo em muitas situações se utilizou da violência, com agressões morais e físicas, cárceres, torturas e mortes . Como Clara sabia do risco, preferiu manter-se afastada de tais situações que poderiam complicar a sua vida profissional.
Porém o sucesso ainda não lhe havia chegado como gostaria que fosse, até que em 1968, gravou um samba de Ataulpho Alves e Carlos Imperial, Você passa, eu acho graça. Daí em diante sua carreira começaria a ter maiores repercussões.
Participou de alguns festivais, como : III Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora, V Festival Internacional da Canção Popular, 4º Festival Universitário da Música Popular Brasileira no Teatro João Caetano, no RJ.
Neste pequeno intervalo de tempo, início dos anos 70, entrava novamente em estúdio para mais um disco,só que desta vez um repertório diferenciado com a produção de Adelzon Alves (radialista da Rádio Globo – apresentava o programa O amigo da madrugada) , deu início a um processo de valorização da cultura brasileira.
A partir da década de 1970, passou a se apresentar de forma estilizada, caracterizando-se por um dos mais conhecidos símbolos da nacionalidade brasileira: a BAIANA.
Em 1971, foi lançado pela gravadora Odeon, o LP de Clara Nunes, ao qual colocaremos um pequeno trecho da crítica de Adelzon Alves, escrito na contra capa:

“Meu compadre, o negócio é o seguinte , a partir da música “Misticismo da África ao Brasil”que a moçada vem escutando todo dia é só ligar a “caixa de conversa”, Clara Nunes toma posição bem definida dentro das raízes da cultura popular brasileira.
Neste LP o Sabiá num (sic) “brinca em serviço”. Dá seu recado com músicas, sons e refrões do candomblé e da “Puxada de rede do xeréu”, estes últimos ligados a vida econômica, religiosa e artística da Bahia (folclore), que fazem parte da nova imagem áudio-visual que a cantora vem mostrando ao público nos seus shows, apresentações de televisão etc. essa imagem é o aproveitamento das formas, cores, sons ritmos etc e tal da cultura popular brasileira”

Posteriormente ,já sendo produzida pelo compositor Paulo César Pinheiro, Clara deu continuação as matrizes brasileiras, cantando e nos encantando com sua bela voz e com letras significantes, de tantos poetas, como Paulo C. Pinheiro, Mauro Duarte, Candeia, Nelson Cavaquinho, Cartola, João Nogueira, Guilherme de Brito, Bidê, Marçal, Eduardo Gudin, Xangô da Mangueira, Monarco entre tantos outros.
Enfim esta que foi e sempre será referência da MPB, possui uma discografia vasta de 1966 a 1984, foram 20 LP’s, fora os compactos essa totalidade se deu em vida. Alguns de seus sucessos foram:
Você passa eu acho graça (Ataulpho Alves/ Carlos Imperial)
Ê Baiana (Fabrício da Silva/ Baianinho/ Ênio Santos / Miguel Pancrácio)
Canto da 3 raças (Paulo C. Pinheiro / Mauro Duarte)
Conto de Areia (Romildo/ Toninho)
O mar serenou (Candeia)
Guerreira (João Nogueira / Paulo C. Pinheiro)
Feira de Mangaio ( Sivuca/ Glorinha Gadelha)
Coração Leviano (Paulinho da Viola)
Portela na Avenida (Paulo C. Pinheiro / Mauro Duarte)


Clara levou ao topo, através da mpb; o samba, as raízes da cultura brasileira, herdeira principalmente dos negros africanos e é por meio da linguagem musical que é demonstrado o resgate desses valores, sendo o misticismo um de seus principais focos.
A mineira, Clara Nunes, favoreceu e enfatizou os elementos culturais afro-brasileiros, ativamente e com isso proporcionou a afirmação da identidade brasileira, fazendo com que nossa cultura fosse reconhecida pelo mundo afora.

Pequeno trecho da música Guerreira (João Nogueira / Paulo César Pinheiro)

“... Sou a mineira guerreira
Filha de Ogum com Iansã “



Maria Angélica Ventura

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