Seja bem-vindo a esse espaço no qual se pretende multiplicar conhecimentos pertinentes ao continente africano e de sua diáspora no Novo Mundo. É reconhecida a necessidade das trocas de saberes e a socialização do conhecimento na área da História, com vistas ao desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa na busca da inclusão de temas que contribuam para a compreensão da multiplicidade das experiências humanas e a criticar estereótipos organicamente naturalizados.



domingo, 16 de maio de 2010

Da Lei Áurea à Lei de Cotas

Luciana Figueiredo

Treze de maio traição,

liberdade sem asas

e fome sem pão

Liberdade de asas quebradas

como

........  este verso.

Liberdade asa sem corpo:

sufoca no ar,

se afoga no mar.

Treze de maio – já dia 14

o Y da encruzilhada:

seguir

banzar

voltar?

Treze de maio – já dia 14

a resposta gritante:

pedir

servir

calar.

Os brancos não fizeram mais

que meia obrigação

O que fomos de adubo

o que fomos de sola

o que fomos de burros cargueiros

o que fomos de resto

o que fomos de pasto

senzala porão e chiqueiro

nem com pergaminho

nem pena de ninho

nem cofre de couro

nem com lei de ouro.

.............................................

que o que temos nós lutamos

para sobreviver

e também somos esta pátria

em nós ela está plantada

..........................................

e então vamos rasgar

a máscara do treze

para arrancar a dívida real

com nossas próprias mãos.

(Oliveira Silveira, 1970)

O objetivo desse texto é refletir sobre o marco histórico que foi a abolição da escravatura e fazer um comparativo entre a situação dos negros após a abolição e na atualidade.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão, em 13 de maio de 1988, não à toa vemos até hoje a desigualdade racial existente no país. Em virtude do crescimento do movimento abolicionista, porém, muitos escravos já haviam sido alforriados. O tráfico de escravos havia terminado efetivamente em 1850 e em 1831 haviam sido considerados livres os negros que desembarcassem no Brasil. A Lei Áurea (1988) foi, ainda, precedida pela Lei do Ventre Livre (1871) e pela Lei dos Sexagenários (1885), que buscavam, em meio a conflitos entre escravos e senhores, “manter a grande produção agrícola e preservar a ordem social” (DALBERT JR., p. 21). Anteriormente, a Lei nº 601/1850 (Lei de Terras) já havia dificultado o acesso à terra, proibindo as ocupações. De acordo com Campos, o procedimento “economicamente era vantajoso, pois o Estado se obrigava a indenizar os proprietários pelas perdas, se houvesse mudança no sistema produtivo” (p. 41).

Vieram para o Brasil para serem escravos, cerca de 4 milhões de negros, de acordo com Deursen. Os ex-escravos, após a abolição, seguiram caminhos diversos, “massas de alforriados (...) deslocaram-se para as cidades ou para os quilombos periurbanos ou rurais” (DEURSEN, 2009, p. 32). Em comum, apenas a condição em que se encontravam: livres, mas sem lugar para morar, sem roupa e vestidos com trapos. Dependendo da área em que atuavam foram inseridos de forma diferente na sociedade. Os que dominavam um ofício tinham a vantagem de ter clientes, outras como as escravas domésticas continuaram a trabalhar para as antigas patroas.“A esperança que trouxe a ‘lei Áurea’ foi a de não saber o destino do negro que, embora livre das torturas ficava desde esta data, no mais completo abandono e espoliado em tudo”. (LEITE, apud PEREIRA, 2008, p. 32).

Os negros não foram objeto de políticas de inclusão no Brasil, ao contrário, o que se desejava e o que se fez foi a substituição da mão-de-obra negra pela de imigrantes europeus, que começaram a chegar ao Brasil mais de 30 anos antes da Abolição. O objetivo, além da modernização das técnicas agrícolas, era o embranquecimento da população.

Segundo Pereira, “foram mais de três milhões de imigrantes em, mais ou menos, trinta anos. Aproximadamente a quantidade de negros escravos introduzidos pelo tráfico em cerca de 300 anos” (p. 29).

Para o autor, essa foi a primeira e mais duradoura política pública da república a substituição da população negra e mestiça. Com a chegada dos imigrantes, restaram aos negros os piores postos de trabalho, “a dependência social e a marginalidade” (PEREIRA, 2008, p. 30).

“E o negro ficou somente nos místeres de produtor ou assalariado ganhando misérias, pois até o que ele fazia como mestre de ofícios se foi evanescendo. Desapareceram as antigas alfaiatarias, ourivesarias e até aquilo em que a Gente Africana foi mestra no Brasil: as oficinas dos trabalhos de ferro e funilarias até as fundições” (SANTOS, apud PEREIRA, 2008, p. 30).

Pereira lembra também que na época da escravidão somente 5% dos negros eram escravos, o restante trabalhava por conta própria como escravos de ganho, pedreiros, carpinteiros, ferreiros, carroceiros, ambulantes, entre outros e os demais eram alforriados. Com a chegada dos imigrantes, os negros perderam até estes postos de trabalho.

Apesar da sobrevivência difícil alguns negros conseguiam manter alguma forma de remuneração e foram estes que criaram nas grandes áreas do país “sociedades culturais e recreativas e os primeiros círculos e grupos com o propósito de enaltecer a figura do negro” (PEREIRA, 2008, p. 30). Começaram, dessa forma, a se organizar e buscar inserção na sociedade.

Uma maior empregabilidade do negro na sociedade só pode ser notada em dois períodos: na década de 30, com a Lei dos 2/3 – que garantia aos trabalhadores brasileiros, a maioria negros, este percentual no mercado de trabalho - e entre 1967 e 1973, graças ao “incremento das forças produtivas e a ampliação das oportunidades de emprego e da qualificação profissional” (PEREIRA, 2008, p. 41). Porém, não houve políticas que dessem continuidade a esses períodos, sendo assim, continuou cabendo aos negros os piores empregos e as piores remunerações que geram até hoje conseqüências como dependências dos serviços públicos educacionais e de saúde, moradia em lugares carentes de saneamento e de urbanização e de difícil acesso, segundo o IPEA.

Apesar de constituir aproximadamente 50% da população brasileira, o negro teve ainda que enfrentar o preconceito racial além das dificuldades relativas a inserção no mercado de trabalho. De acordo com o Ipea, “as desigualdades observadas no seu processo de inclusão econômicas são não apenas como fruto de diferentes pontos de partida, mas também como reflexo de oportunidades desiguais de ascensão social após a abolição” (2008, p. 4).

Em conclusão, não podemos, ao analisar a situação atual do negro no Brasil, desconsiderar todo o contexto histórico em que está inserido. A dificuldade no acesso a empregos origina-se do baixo nível educacional da população negra. O negro, após a abolição, foi desconsiderado como mão-de-obra e deixado a sua própria sorte, enquanto a entrada de imigrantes no país era incentivada abertamente. A inserção parcial dos negros na sociedade deveu-se ao seu próprio esforço e a visão de alguns de que era necessário organizarem-se e pressionarem o Estado para que não vivessem para sempre como reféns do racismo e da desigualdade racial. Essa luta está em curso e a polêmica Lei de Cotas talvez seja o seu capítulo mais polêmico.

Referências:

CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: a produção do ‘espaço criminalizado’ no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

DALBERT JR., Robert. Guerra de versões. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 3, n. 32, maio 2008, p. 21.

DEURSEN, Felipe van. Povo marcado. Aventuras na História, ed. 70, maio 2009.

IPEA. Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição. Brasília, 2008. Comunicado da Presidência n. 4. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/desigualdaderaciais_abolicao.pdfAcesso em: 28 abr. 2010.

PAIXÃO, Marcelo; CARVANO, Luis M. (Orgs.). Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. Disponível em: http://www.laeser.ie.ufrj.br/pdf/RDR_2007-2008_pt.pdf. Acesso em: 06 maio 2010.

PEREIRA, Amauri Mendes. Três impulsos para um salto. In: Trajetória e perspectivas do movimento negro brasileiro. Rio de Janeiro: Nandyala, 2008. p. 25-87.

THEODORO, Mário (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/Livro_desigualdadesraciais.pdfAcesso em: 06 maio 2010.

Um comentário:

  1. Ola, saiu um documento historico publicada na fundação rui barbosa, de uma carta da Princesa Isabel ao Visconde de Santa Victória, so seu projeto de indenização aos negros libertos do 13 de maio, o seu projeto iria entra em vigor no dia 20 de Novembro de 1989. Porém a Proclamação da Republica que na verdade foi proclamada por escravocratas, impediu o fato. Vou deixar em baixo a carta na integra.


    11 de agosto de 1889 – Paço Isabel

    Corte midi
    Caro Snr. Visconde de Santa Victória
    Fui informada por papai que me collocou a par da intenção e do envio dos fundos de seo Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do anno passado, e o sigilo que o Snr. pidio ao prezidente do gabinete para não provocar maior reacção violenta dos escravocratas. Deus nos proteja si os escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio pois seria o fim do actual governo e mesmo do Império e da caza de Bragança no Brazil. Nosso amigo Nabuco, além dos Snres. Rebouças, Patrocínio e Dantas, poderam dar auxílio a partir do dia 20 de Novembro quando as Camaras se reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o Brazil!
    Com os fundos doados pelo Snr. teremos oportunidade de collocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas proprias trabalhando na agricultura e na pecuária e dellas tirando seos proprios proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seos bens, o que demonstra o amor devotado do Snr. pelo Brazil. Deus proteja o Snr. e todo a sua família para sempre!
    Foi comovente a queda do Banco Mauá em 1878 e a forma honrada e proba porém infeliz, que o Snr. e seo estimado sócio, o grande Visconde de Mauá aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos ingleses de forma desonesta e corrupta. A queda do Snr. Mauá significou huma grande derrota para o nosso Brazil!
    Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais hum pouco. Pois as mudanças que tenho em mente como o senhor já sabe, vão além da liberação dos captivos. Quero agora dedicar-me a libertar as mulheres dos grilhões do captiveiro domestico, e isto será possível atravez do Sufrágio Feminino! Si a mulher pode reinar também pode votar!
    Agradeço vossa ajuda de todo meo coração e que Deos o abençoe!
    Mando minhas saudações a Madame la Vicomtesse de Santa Vitória e toda a família.
    Muito d. coração
    ISABEL

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