Seja bem-vindo a esse espaço no qual se pretende multiplicar conhecimentos pertinentes ao continente africano e de sua diáspora no Novo Mundo. É reconhecida a necessidade das trocas de saberes e a socialização do conhecimento na área da História, com vistas ao desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa na busca da inclusão de temas que contribuam para a compreensão da multiplicidade das experiências humanas e a criticar estereótipos organicamente naturalizados.



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Um apelo à consciência: os melhores discursos de Martin Luther King

KING, Martin Luther. Um apelo à consciência: os melhores discursos de Martin Luther King. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 2006. 179 p.
O livro é uma coletânea dos melhores discursos proferidos por Martin Luther King. Cada discurso é precedido por uma breve apresentação de uma personalidade que o presenciou. São discursos emblemáticos do posicionamento de Luther King, não só na questão racial, mas também em relação a democracia e aos direitos civis. Organizados em ordem cronológica, os discursos possibilitam acompanhar a trajetória desse grande líder,
nascido em 15 de janeiro de 1929, em Atlanta, nos Estados Unidos da América, filho de um pastor batista e de mãe professora. Formado em Teologia, mudou-se para Boston onde se casou com Coretta Scott em 1953. Em 1954 tornou-se pastor da igreja batista de Montgomery, Alabama.

Discurso no primeiro Comício da Associação pelo Progresso de Montgomery (1955, Alabama)
Esse discurso é apresentado por Rosa Louise Parks, a passageira negra que foi presa porque se recusou a ceder seu lugar em um ônibus para um homem branco. A prisão de Rosa Louise Parks originou uma série de protestos pacíficos contra a discriminação sofrida pelos negros nos Estados Unidos. Martin Luther King foi o escolhido para presidir a Montgomery Improvement Association (MIA), instituição criada para liderar o boicote dos negros ao transporte público em Montgomery. Nascia ali o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.
“Chega a hora em que as pessoas se cansam de ser pisoteadas pelo pé de ferro da opressão. Chega a hora, meus amigos, em que as pessoas se cansam de ser lançadas no abismo da humilhação, onde vivenciam a desolação de um pungente desespero. Chega a hora em que as pessoas se cansam de ser alijadas do brilhante e vívido sol de julho e abandonadas ao frio cortante de um novembro alpino.
Nenhuma cruz arderá em chamas nas paradas de ônibus de Montgomery. Nenhum branco será arrancado de sua casa, levado ao longo de uma estrada distante e linchado por não cooperar. Nenhum de nós se erguerá para desafiar a Constituição de nossa nação. Somente nos reunimos aqui movidos pelo desejo de que o direito prevaleça” (p. 23-26)
O nascimento de uma nova nação (1957, Alabama)
Nesse discurso, Luther King fala da independência de Gana do Império Britânico. O discurso é precedido pela apresentação do Reverendo Leon H. Sullivan.

“Antes de 6 de março de 1957 havia um país conhecido como Costa do Ouro. Esse país, uma colônia do Império Britânico, localizava-se no vasto continente conhecido como África. Tenho certeza que vocês sabem muito sobre a África, esse continente de quase 2 milhões de habitantes que cobre um amplo território. [...]
Vocês também sabem que, ao longo dos séculos, a África tem sido um dos continentes mais explorados da história do mundo. Tem sido o ‘continente negro’. Tem sido o continente a sofrer toda a dor e a aflição que puderam ser reunidas pelas outras nações. E foi esse continente que suportou a escravidão, que suportou tudo de mais indigno, que ganhou vida pela exploração imposta por outras nações.
E esse país, a Costa do Ouro, era uma parte de um extremo continente conhecido como África. [...] Por anos a Costa do Ouro foi explorada, dominada e pisoteada. Os primeiros colonizadores europeus, os portugueses, ali chegaram em 1444 e iniciaram um comércio regular com a população da Costa do Ouro. Inicialmente, em troca do ouro, ofereceram-lhe armas, e munição, e pólvora, e coisas afins. Alguns anos depois no mesmo século XV, foi descoberta a América e, em seguida, as Índias Ocidentais Britânicas. E todas essas crescentes descobertas levaram ao tráfico negreiro.
Lembrem-se de que o tráfico se iniciou na América em 1619. E houve uma grande disputa pelo poder na África. Com o crescimento do tráfico negreiro, chegaram à África e à Costa do Ouro não apenas os portugueses, e os holandeses, e os ingleses. E todas essas nações disputaram entre si o poder sobre a Costa do Ouro, a fim de poderem explorar economicamente essas pessoas e vendê-las como escravas.
Finalmente, em 1850, a Inglaterra venceu e tomou posse de toda a extensão territorial da Costa do Ouro. De 1850 a 6 de março de 1957, a Costa do Ouro foi uma Colônia do Império Britânico. E, como colônia sofreu todas as injustiças, todas as explorações, todas as humilhações que resultam do colonialismo. Mas como toda escravidão, toda a humilhação, como toda exploração, chegou a um ponto em que as pessoas se cansaram.
E essa parece ser a longa lição da história. Parece que há um desejo palpitante, parece que há um desejo interno por liberdade na alma de cada ser humano. E está lá – no início, pode não se manifestar -, mas finalmente irrompe. Os homens percebem que a liberdade é fundamental e que roubar a liberdade de um homem é tirar-lhe a essência de sua humanidade. [...]
E assim essas pessoas se cansaram. Viveram uma longa história. Ainda no princípio, em 1844, os chefes nativos da Costa do Ouro se rebelaram, se uniram e se revoltaram contra o Império Britânico e contra os outros poderes que então dominavam a Costa do Ouro. Eles se revoltaram alegando o desejo de governarem a si mesmos. Mas esses poderes sufocaram, e os britânicos disseram que não os deixariam. [...]
Essa era a luta que há anos vinha sendo travada. E agora chegava a um ponto em que essa pequena nação caminhava para a sua independência. Então vieram a agitação e a resistência, tão constantes que o Império Britânico percebeu que não poderia mais dominar a Costa do Ouro. E aceitaram isso em 6 de março de 1957, aceitaram libertar essa nação. Essa nação não mais seria uma colônia do Império Britânico, seria uma nação soberana dentro da comunidade britânica. Tudo isso aconteceu graças ao protesto firme, à mobilização contínua da parte do primeiro-ministro Kwame Nkrumah e de outros líderes que trabalharam a seu lado e ao lado das massas populares que os apoiavam. [...]
Gana tem algo a nos ensinar. Diz que, em primeiro lugar, o opressor nunca concede voluntariamente a liberdade ao oprimido. Temos que lutar por ela. E se Nkrumah e o povo da Costa do Ouro não se levantassem e resistissem, rebelando contra o sistema, ainda viveriam como uma colônia do Império Britânico. A liberdade jamais é concedida, pois o opressor deseja manter o seu domínio, e jamais abre mão desse domínio voluntariamente. E aí entra a resistência. As classes privilegiadas nunca abrem mão de seus privilégios sem a resistência. [...]
Se não houvesse os abolicionistas na América, brancos e negros igualmente, ainda estaríamos no cativeiro de da escravidão. E então porque houve, em cada período, há sempre aquelas pessoas em cada período da história da humanidade que não se importam de terem seus pescoços cortados, que não se importam de serem perseguidos, discriminados e chutados, porque sabem que a liberdade jamais é concedida, mas vem da contínua mobilização e de persistente revolta por parte daqueles que estão presos ao sistema. Gana nos ensina isso. [...]
Gana nos lembra que a liberdade nunca vem numa bandeja de prata. Nunca é tão fácil. [...] Exige trabalho duro, exige um esforço incomum. Horas de desespero e desapontamento a acompanham. [...]
A estrada da liberdade é uma estrada difícil e dura, que implica sempre recuos temporários. E aqueles que dizem que hoje há mais tensão em Montgomery do que havia antes estão dizendo a verdade. Sempre que se abandona o Egito, enfrenta-se um pouco de tensão, enfrentam-se alguns recuos temporários. Se não os enfrentarmos, jamais sairemos do Egito. Vocês devem lembrar que o período desprovido de tensões, do qual gostamos de lembrar, era um período em que o negro se ajustava de forma complacente à segregação, à discriminação, ao insulto e à exploração. E o período de tensão é o período em que o negro decidiu levantar-se e libertar-se. E essa é a paz que estamos procurando: não uma paz antiga, negativa e ofensiva que é meramente a ausência de tensão, mas uma paz positiva e duradoura, que é a presença de fraternidade e de justiça. E que nunca é conquistada sem esse período temporário de tensão." (p. 31-44)
Deixem-nos votar (1957, Washington)
Discurso apresentado no ato comemorativo do terceiro aniversário da decisão da Suprema Corte de extinção da segregação racial nas escolas públicas dos Estados Unidos. King via no direito de voto a melhor forma dos negros alcançarem seus direitos e nesse discurso conclama as autoridades do sul do país a deixarem os negros votarem. O discurso é apresentado por Walter E. Fauntroy.
“Falamos bastante sobre os nossos direitos, e isso é justo. Proclamamos com orgulho que ¾ da população mundial são formados por pessoas de cor. Temos o privilégio de observar em nossa geração o grande drama da libertação e da independência, como se revela na Ásia e na África. Tudo está de acordo com o trabalho revelador da Providência. Mas devemos assegurar que aceitamos isso com magnitude correta. Não devemos procurar usar a nossa emergente liberdade e o nosso crescente poder para fazer à minoria branca o mesmo que ela nos fez ao longo de tantos séculos. Nosso objetivo não deve ser humilhar ou derrotar o branco. Não devemos nos tornar vítimas de uma filosofia ou da supremacia negra. Deus não está interessado em libertar apenas o negro, o pardo e o amarelo, pois Deus está interessado em libertar toda a raça humana. Devemos trabalhar com determinação para criar uma sociedade, não uma na qual o negro seja superior e os outros homens, inferiores – e vice-versa – mas uma sociedade na qual todos os homens vivam igualmente como irmãos e respeitem a dignidade e o valor da personalidade humana. [...]
Continuem andando. Não diminuam o passo. Sigam com dignidade, e honra, e respeito.
Sei que isso às vezes poderá nos privar do descanso da noite. Poderá causar demissões; poderá causar sofrimento e sacrifício. Pode, até mesmo, causar a morte física de alguns. Mas se a morte física é o preço que alguns deverão pagar para libertar os seus filhos de uma permanente vida de morte psicológica, então nada poderá ser mais cristão. Sigam em frente hoje. Continuem a caminhar em meio aos obstáculos. Continuem a caminhar em meio às montanhas da oposição. Se caminharem com dignidade, quando os livros de história forem escritos no futuro, os historiadores deverão olhar pra trás e dizer: ‘Ali viveu um grande povo. Um povo com negra face e carapinha, mas um povo que injetou um novo significado nas veias da civilização; um povo que se erguer com dignidade e honra, e salvou a civilização ocidental da escuridão profunda; um povo que ofereceu uma nova integridade e uma nova dimensão de amor a nossa civilização’.” (p. 49-54)
Discurso no Comício pela liberdade no Cobo Hall (1963, Michigan)
Apresentado por Aretha e Erma Franklin.
“Há quase cem anos, em 22 de setembro de 1862, para ser exato, Abraham Lincoln, um grande e nobre americano, assinou uma lei que vigoraria a partir de 1º de janeiro de 1863. Esse decreto foi denominado Proclamação da Emancipação e serviu para libertar o negro do cativeiro da escravidão física. Cem anos depois, no entanto, o negro nos Estados Unidos da América ainda não é livre.
Mas agora, como nunca antes, a América é forçada a lidar com esse problema, pois o mundo não nos concede o luxo de uma democracia anêmica. O preço que esta nação deverá pagar pela contínua opressão e exploração do negro ou qualquer outra minoria será o preço de sua própria destruição. Já é tarde. Corre o relógio do destino, e precisamos agir agora, antes que seja tarde demais. [...]
Ninguém em sã consciência gosta de ir para a prisão. Mas se ele nos prender, aceitemos a prisão e transformemos essa masmorra de vergonha em um abrigo de liberdade e dignidade humana.. E mesmo que tentem nos matar, devemos nos apegar a convicção interior de que algumas coisas são tão caras, algumas coisas tão preciosas, algumas coisas são tão definitivamente verdadeiras, que vale a pena morrer por elas. E lhes digo que um homem, se não descobriu por que está disposto a morrer, não merece viver. [...]
A injustiça em um só lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. Devemos chegar à conclusão de que o problema da injustiça racial é um problema de toda a nação. Nenhuma comunidade deste país pode se gabar de ter as mãos limpas no campo da fraternidade. Aqui no Norte, a diferença é que não há sanções legais como no Sul. Mas aqui há uma discriminação, mais sutil e disfarçada, que se revela de facto em três áreas: emprego, moradia e escolas públicas. E devemos perceber que a segregação de facto no Norte é tão ofensiva quanto a segregação de direito no Sul.
Precisamos também do seu apoio a fim de aprovar a Lei dos Direitos Civis, apresentada pelo presidente. [...]
E não quero passar a impressão de que será fácil. Nenhuma grande conquista social será feita sem perdas individuais. A vitória da fraternidade deixará cicatrizes. Antes da vitória final, alguns de nós serão jogados na prisão. Antes da vitória final, alguns de nós, como Medgar Evers, encontrarão a morte física. Mas se a morte física é o preço que teremos de pagar para libertar os nossos filhos e os nossos irmãos brancos de uma eterna morte psicológica, então nada poderá ser mais redentor. Antes da vitória final, alguns de nós serão mal compreendidos e xingados, mas devemos prosseguir, e com determinação e fé de que esse problema será resolvido.” (p. 59-65)
Eu tenho um sonho (1963, Washington)
Esse é sem dúvidas o seu discurso mais famoso. É apresentado por Dorothy I. Height.

“Há dez décadas, um grande americano, [...] assinou a Proclamação da Emancipação. Esse magnífico decreto surgiu como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que arderam nas chamas da árida injustiça. Ele surgiu como uma aurora de júbilo para pôr fim a longa noite de cativeiro.
Mas cem anos depois, o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda está tristemente debilitada pelas algemas da segregação e pelos grilhões da discriminação. Cem anos depois, o negro vive isolado numa ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda vive abandonado nos recantos da sociedade na América, exilado em sua própria terra. Assim, hoje viemos aqui para representar a nossa vergonhosa condição.
E digo-lhes hoje, meus amigos, mesmo diante das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho, um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e experimentará o verdadeiro significado de sua crença: ‘Acreditamos que essas verdades são evidentes, que todos os homens são criados iguais’ (fragmento da Constituição americana).
Eu tenho um sonho de que um dia, nas encostas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos sentarão ao lado dos filhos dos antigos senhores, à mesa de fraternidade.
Eu tenho um sonho de que um dia até mesmo o estado de Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, sufocado pelo calor da opressão, será um oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho de que os meus quatro filhos pequenos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Hoje, eu tenho um sonho.” (p. 73-76)
Elegia às jovens vítimas do atentado à Igreja Batista da Rua 16 (1963, Alabama)
Com apresentação do Reverendo Fred Shuttesworth, esse discurso foi proferido após a morte de quatro meninas em um atentado a bomba da Ku Klux Klan. Nele, King conclama aos ouvintes a se refugiarem na fé cristã como conforto à morte prematura das vítimas.

“Espero que vocês possam encontrar algum conforto na afirmação cristã de que a morte não é o fim. A morte não é o ponto final da grandiosa sentença da vida, mas uma vírgula que a pontua diante de um significado mais sublime. A morte não é um beco sem saída que leva a humanidade a um estado de total anulação, mas uma porta aberta para a vida eterna. Permitam que essa fé audaciosa, que essa invencível suposição, lhes fortaleça nesses dias de provação.
A vida é dura, às vezes tão dura quanto aço temperado. Há momentos difíceis e desesperadores. Como as águas dos rios, a vida tem momentos de seca e de inundação. Como o contínuo ciclo das estações, a vida tem o suave calor dos verões e o frio cortante dos invernos. E se nos mantivermos firmes, descobriremos que Deus está do nosso lado e que Deus pode nos levar da fadiga do desespero ao alívio da esperança e transformar os vales sombrios e desolados nas iluminadas veredas da paz interior.” (p. 83-85)
Discurso de agradecimento ao prêmio Nobel da Paz (1964, Oslo, Noruega)
Apresentado por Dalai Lama.
“Cheguei à conclusão de que esta premiação, que recebo em nome desse movimento, representa um profundo reconhecimento de que a não-violência é a resposta à crucial questão política e moral de nosso tempo – a necessidade de o homem transcender a opressão e a violência sem recorrer à violência e à opressão.” (p. 91-93)
Discurso de encerramento da marcha de Selma a Montgomery (1965, Alabama)
Apresentado por John Lewis. Nesse discurso Luther King clama para que os negros tenham direito a voto não contemplado pela Lei dos Direitos Civis de 1964.
"A Lei dos Direitos Civis de 1964 deu aos negros parte de uma devida diginidade mas, sem o direito ao voto, era essa uma dignidade sem força. [...]
Toda a nossa campanha no Alabama se concentrou no direito ao voto. Hoje, ao chamar a atenção da nação e do mundo para a negação desse direito, expomos as verdadeiras raízes - as raízes mais profundas - da segregação racial nos estados do Sul. O costume da segregação racial não surgiu como consequência natural do ódio entre as raças, logo após a Guerra Civil. Naquela época, não havia leis segregacionistas. [...] A segregação entre raças foi, na realidade, uma estratégia política dos concorrentes conservadores sulistas, que desejavam dividir as massas e baratear a mão-de-obra. [...]
Ao fim do período da Reconstrução, algo extremamente importante aconteceu. Surgiu ali o que ficou conhecido como o Movimento Populista. Os líderes desse movimento começaram a despertar as massas de brancos pobres e os ex-escravos para o fato deles estarem sendo explorados pelos conservadores emergentes. Mas isso não foi tudo, pois esse movimento começou a unir as massas de brancos e negros em um bloco eleitoral que ameaçava alijar do poder no Sul os interesses conservadores. [...]
Para fazer frente a essa ameaça, os aristocratas sulistas imediatamente começaram a arquitetar o desenvolvimento de uma sociedade segregacionista. [...] Por meio do controle dos meios de comunicação, eles ressuscitaram a doutrina da supremacia branca, com a qual bombardearam a mente das massas de brancos pobres, afastando do seu pensamento o real problema envolvido no Movimento Populista. Dirigiram, então, a consolidação de leis que tornavam crime, nos códigos sulistas, a igualdade ampla e irrestrita de negros e brancos. E foi esse o fim. Isso abalou e, finalmente, destruiu o Movimento Populista do século XIX. [...]
Assim, a ameaça do livre exercício do voto pelas massas de negros e brancos resultou no estabelecimento de uma sociedade segregacionista. [...]
Marcharemos sobre as urnas eleitorais até que a fraternidade se torne mais que uma palavra sem significado numa prece incial, a ordem do dia em qualquer agenda política. [...]
É a normalidade em todo o país que deixa o negro definhar em uma ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. É a normalidade em todo o Alabama que impede que o negro se registre como eleitor. Não, não permitiremos que o Alabama volte à normalidade. [...]
Á única normalidade que aceitaremos é a normalidade que permita que a justiça corra como as águas, e que a virtude seja uma corrente poderosa. A única normalidade que aceitaremos é a normalidade da fraternidade, a normalidade da paz verdadeira, a normalidade da justiça." (p. 101-109)
Além do Vietnã (1967, Nova York)
 Apresentado pelo Embaixador George McGovern. Nesse discurso, Luther King posiciona-se contra a Guerra do Vietnã.
"De algum modo essa loucura tem que acabar. E tem que acabar agora. Falo como filho de Deus e irmão dos pobres sofredores do Vietnã. Falo por aqueles cujas terras estão sendo devastadas, cujas casas estão sendo destruídas, cuja cultura está sendo subvertida. Falo pelos pobres da América que estão pagando dobrado, com as esperanaças esmagadas em casa e com a morte e a corrupção no Vietnã. Falo como cidadão do mundo, em nome do mundo que se horroriza com o caminho que escolhemos. Falo como um amante da América, para os líderes de nossa nação: fomos os principais responsáveis pelo início dessa guerra, cabe a nós a iniciativa de encerrá-la. [...]
Ainda temos uma escolha hoje: a coexistência não-violenta ou a aniquilação violenta. Devemos passar da indecisão à ação. Devemos encontrar outros meios de falar pela paz no Vietnã e pela justiça em todo o mundo desenvolvido, um mundo que faça fronteira com as nossas portas. Se não agirmos, seremos certalmente arrastados pelos longos, escuros e vergonhosos corredores do tempo, reservados àqueles que possuem poder sem compaixãp, vigor sem moralidade e força sem visão." (p. 117-132)
E agora, para onde vamos? (1967, Geórgia)
Apresentado por Edward M. Kennedy. Martin Luther King faz revisão do caminho trilhado pela Conferência de Liderança Cristã do Sul (SCLC) - que reunia organizações de protesto locais -, nos seus dez anos de existência: as conquistas e o caminho a seguir.
"E quando a nossa organização se formou há dez anos, a segregação racial ainda era um dos alicerces da arquitetura da sociedade sulista. [...] Dez anos atrás, negros demais ainda eram atormentados durante o dia e assombrados à noite por um corrosivo sentimento  de medo e uma incômoda sensação de insignificância.
Agora, no entanto, as coisas mudaram. Investida após investida, levamos as decadentes muralhas da segregação ao desmoronamento. Ao longo deste período todo o edifício da segregação foi profundamente abalado. Essa é uma conquista cujas consequências são sentidas a fundo por todo negro sulista em seu cotidiano. [...] Nesta década de mudanças, o negro ergueu-se e enfrentou o seu opressor. [...] De peito aberto, postou-se diante de multidões cruéis; com força e dignidade, marchou em sua direção; e, com firmeza as derrotou. [...] O negro saiu dessa batalha apenas levemente integrado à sociedade, mas profundamente integrado a si mesmo. Essa era uma vitória que tinha de preceder todas as outras conquistas.
Em resumo, nos últimos dez anos, o negro decidiu erguer a cabeça, percebendo que ninguém montará em suas costas a não ser que se curve. Fizemos com que o nosso governo redigisse novas leis que alterassem algumas das injustiças mais cruéis que nos afetavam. Fizemos com que uma nação indiferente e desdenhosa abandonasse a letargia e intimamos a sua consciência a aparecer diante do tribunal da moralidade em tudo o que diz respeito aos direitos civis. Nos tornamos humanos nesta nação que sempre nos chamou de 'moleques'. Seria realmente hipócrita se a modéstia me impedisse de dizer que a SCLC esteve na vanguarda de todas as ações fundamentais para o Sul. Por isso, o nosso orgulho é legítimo. Mas, apesar de uma década de significativo progresso, estamos longe de solucionarmos esse problema. O profundo murmúrio de descontentamento em nossas cidades revela que a planta da liberdade germinou, mas ainda não floresceu. [...]
Com toda a luta e todas as conqusitas, devemos, no entanto, encarar o fato de que o negro ainda vive nos subterrâneos da grande sociedade. Ele ainda está por baixo, apesar de alguns terem ascendido a níveis levemente superiores. Poucos negros têm acesso à oportunidade de ascensão social, mesmo nos locais em que a porta foi forçada a entreabrir-se. Em geral estão no fundo do poço e, quando conseguem se erguer, não encontram lugar no topo. Consequentemente, o negro ainda é um estranho empobrecido numa sociedade emergente. Ele é pobre demais até mesmo para acompanhar o crescimento dessa sociedade, empobrecido demais pelo tempo para ascender por meio de seus próprios esforços. Mas o negro não se pôs nessa situação; ela lhe foi imposta. No decorrer de mais da metade da história americana, ele foi escravizado. No entanto, construiu as largas pontes e as grandiosas mansões, os robustos estaleiros e as sólidas fábricas do Sul. Seu trabalho assalariado tornou o algodão 'rei' e estabeleceu a América como uma importante nação no comércio internacional. Mesmo após a libertação dos grilhões da escravidão, a nação avançou sobre o negro e o sufocou. A nação se tornou a mais rica e poderosa sociedade da história do homem, mas deixou o negro para trás. [...]
Mas para responder à pergunta 'E agora, para onde vamos?', nosso tema de hoje, temos em primeiro lugar, de reconhecer sinceramente onde nos encontramos agora. Quando a Constituição foi escrita, uma estranha fórmula para calcular os impostos e a representatividade política determinou que o negro valia 60% de uma pessoa. Hoje outra fórmula curiosa declara que ele vale 50% de uma pessoa. As boas coisas da vida, o negro as recebe pela metade, quando comparado ao branco. As ruins recebem em dobro. Assim, metade de toda a população negra vive em habitações degradantes. O salário do negro equivale à metade do rendimento do branco. Quando nos voltamos para as experiências negativas da vida, o negro tem a sua parte em dobro: eles são o dobro em número de desempregados, a taxa de mortalidade infantil entre negros é o dobro dos brancos; e, em relação ao total da população, o número de negros que morrem no Vietnã é o dobro dos brancos.
Em outras esferas, os números são igualmente alarmantes. [...] Apenas um em cada vinte negros ingressa na faculdade. Entre os negros empregados, 75% exercem trabalhos subaltrnos. É esse o ponto em que nos encontramos.
E agora para onde vamos? Primeiro, devemos afirmar com veemência a nossa diginidade e o nosso valor. Devemos nos levantar em meio a um sistema que nos oprime e desenvolver um inabalável e majestoso senso de valores. Não mais nos envergonharemos de sermos negros. O trabalho de despertar a humanidade no interior de pessoas que ao longo dos séculos foram completamente anuladas não é fácil.
[...] O negro só será livre quando atingir as profundezas de seu ser e assinar, com a pena e a tinta de sua humanidade, a sua própria proclamação de antecipação. E com um espírito voltado para a verdadeira autoestima, o negro pode corajosamente desvencilhar-se dos grilhões da autonegação e dizer a si mesmo e ao mundo: 'Eu sou alguém. Eu sou uma pessoa. Eu sou um homem digno e honrado. Tenho uma história rica e nobre, mesmo que essa história tenha sido de dor e exploração. Sim, meus antepassados foram escravos, e não me envergonho disso. Tenho vergonha daqueles pecadores que os escravizaram'. Sim, sim, devemos nos levantar e dizer: 'Eu sou negro, mas sou negro e belo'. [...]
Agora outro desafio é descobrir como transformar a nossa força em poder econômico e político. Agora, ninguém pode negar que o negro está terrivelmente necessitado desse legítimo poder. De fato, um dos principais problemas que o negro enfrenta é a falta de poder. [...] Despido do direito de tomar decisões que concernem à sua vida e ao seu destino, ficou sujeito a decisões autoritárias e, às vezes, caprichosas da estrutura do poder branco. [...]
O que precisamos é de uma estratégia de mudança, um programa de ações que trará o negro para o centro da vida americana o mais rápido possível. [...]
Quando digo que devemos questionar toda a sociedade, quero dizer que, em última instância, devemos perceber que o problema do racismo, que o problema da exploração econômica e o problema da guerra estão relacionados. [...]
Em outras palavras, 'Toda estrutura deve ser modificada'. Uma nação que mantém um povo escravo por 244 anos irá 'coisificá-lo' e usá-lo. E, assim, explorará os escravos e os pobres economicamente. E uma nação que explora economicamente precisará de investimentos externos e tudo o mais, e precisará usar a sua força militar para se proteger. Todos esses problemas estão relacionados. [...]
E devo confessar, meus amigos, que a estrada adiante não será suave. Haverá lugares pedregosos de frustração e sinuosos caminhos de perplexidade. Haverá inevitáveis reveses, aqui e ali. E haverá momentos em que a leveza da esperança se transformará na fadiga do desespero. Os nossos sonhos serão às vezes despedaçados e as nossas esperanças etéreas arruinadas. Ficaremos novamente, com os olhos marejados, diante do caixão de algum corajoso ativista dos direitos civis cuja vida será apagada por um ato covarde de uma multidão sanguinária. Mas aceitaremos a dificuldade e a dor como são; devemos caminhar em direção aos dias que virão com uma fé audaciosa no futuro." (p. 139-155)

Eu estive no topo da montanha (1968, Tennessee)
Tem a apresentação de Andrew Young. Foi o último discurso de Luther King - que ele fez sem recorrer a anotações - onde demonstra pressentir que o fim estaria próximo. No dia seguinte seria assassinado, aos 39 anos, com um tiro enquanto estava na varanda do hotel em que estava hospedado.
"Estou encantado de vê-los todos aqui nesta noite, apesar do alerta de tempestade. Isso revela a sua determinação para prosseguir, sob quaisquer circunstâncias. Algo está acontecendo em Menphis, algo está acontecendo no mundo. [...]
Se algo não for feito com urgência para tirar os povos de cor de todo o mundo de seus longos anos de pobreza, longos anos de dor e negligência, todo o mundo estará condenado. Por isso, estou muito feliz que Deus tenha permitido que eu viva nesta época, para testemunhar esses acontecimentos. Estou feliz que Ele tenha me permitido estar em Menphis.
Precisamos nos manter unidos e manter a unidade. Vocês sabem, sempre que o faraó desejava prolongar o período de escravidão no Egito, ele usava a sua fórmula favorita. Qual era? Ele mantinha os escravos em luta entre si. Mas sempre que os escravos se uniam, algo acontecia na corte do faraó e ele não podia manter os escravos no cativeiro. A união dos escravos foi o primeiro passo para a saída do cativeiro. Hoje, fiquemos unidos.
As questões devem ser mantidas em seus devidos lugares, e a questão agora é a injustiça. A questão é a recusa de Menphis em ser uma cidade justa e honesta ao lidar com os servidores da limpeza pública. [...]
Agora marcharemos novamente e devemos marchar novamente a fim de pôr essa questão em seu devido lugar. Faremos com que todos vejam que há aqui 1.300 filhos de Deus que sofrem, atravessando noites escuras e sombrias, pensando como tudo isso vai acabar. Eis a questão. E precisamos dizer à nação: sabemos como isso vai terminar. Pois, quando as pessoas desejam se sacrificar por aquilo que é justo, elas só se encontrarão com a vitória. [...]
Devemos lutar até o fim. Nada poderia ser mais trágico do que pararmos a esta altura em Menphis. Precisamos seguir até o fim. E, durante a nossa marcha, vocês precisam estar lá. Se necessário, faltem ao trabalho; se necessário, faltem à escola; mas estejam lá. Preocupem-se com o seu irmão. Vocês podem não estar em greve, mas venceremos todos juntos ou juntos seremos derrotados. Precisamos desenvolver um tipo perigoso de altruísmo. [...]
Sempre que homens e mulheres ficam de pé, eles vão a algum lugar, pois ninguém poderá montar-lhes as costas a menos que se curvem. [...]
Não sei o que acontecerá agora. Dias difíceis virão. Mas não me importo. Pois eu estive no topo da montanha. E não me importo. Como qualquer pessoa, gostaria de viver uma vida longa. A longevidade tem seu lugar. Mas não me preocupo com isso agora. Apenas desejo obedecer aos desígnios de Deus. E Ele me levou ao topo da montanha, olhei ao redor e contemplei a Terra Prometida. Posso não alcançá-la, mas quero que saibam, que nós, como povo, chegaremos à Terra Prometida. Estou tão feliz; não me preocupo com nada; não temo homem algum. Meus olhos viram a glória da presença do Senhor." (p. 163-171)
Considerações finais

Martin Luther King ficou famoso por pregar a não violência e pelos seus discursos que até hoje emocionam. Em um caminho permeado de agressividade, violência e ameaças de morte, ele sempre optou pela tática da não-violência, seguindo os ensinamentos de Gandhi. Seus discursos são famosos até hoje por isso, a cada ataque que sofria, King respondia com afeto, mas com determinação, não cogitou abandonar a luta mesmo sabendo que isso custaria a sua vida. Influenciou muitos líderes ao redor do mundo e no Brasil não foi diferente.
Deixou-nos um ensinamento de que não devemos pedir, mas exigir os nossos direitos. Nossa luta deve ser, como tem sido, com palavras e ações e não com agressão e violência. E quando tudo parecer difícil demais devemos lembrar de suas sábias palavras: “a liberdade nunca vem numa bandeja de prata”.
A partir da leitura de seus discursos somos transportados para uma época não muito distante dos grandes conflitos raciais nos Estados Unidos e refletimos sobre a sua importância da sua liderança para o fim da segregação legal nos Estados Unidos e nas conquistas dos direitos civis.
Recomendamos a leitura do livro para aqueles que já conhecem profundamente a biografia de Martin Luther King e também para iniciantes, pois a leitura dos discursos com certeza provocará uma curiosidade maior sobre o grande líder da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Um comentário:

  1. Parabéns pela postagem. Espero que o máximo de pessoas leia estas pérolas e que entendam de uma vez por todas que a luta libertacional étnica/política NÃO TEM NENHUM VÍNCULO COM QUAISQUER TIPOS DE RELIGIÕES, pois vinculá-la é enfraquecer literalmente a luta em si.
    Bonfim Costa Sousa
    Teólogo/Pesquisador

    ResponderExcluir