Seja bem-vindo a esse espaço no qual se pretende multiplicar conhecimentos pertinentes ao continente africano e de sua diáspora no Novo Mundo. É reconhecida a necessidade das trocas de saberes e a socialização do conhecimento na área da História, com vistas ao desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa na busca da inclusão de temas que contribuam para a compreensão da multiplicidade das experiências humanas e a criticar estereótipos organicamente naturalizados.



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O 20 de novembro e o Movimento Negro no Brasil - Luciana Figueiredo

"Ter consciência negra significa compreender que a luta contra o racismo é longa e árdua, mas que nela devemos depositar a máxima energia possível, para que as futuras gerações de negros possam viver livres das humilhações que marcaram a vida de nossos antepassados e marcam as nossas hoje". (Nilma Bentes)

O dia 20 de novembro foi instituído pela Lei nº 10.639 de 2003 como Dia Nacional da Consciência Negra. A data foi escolhida por ser aniversário da morte de Zumbi dos Palmares. A comemoração da data nas escolas é de fundamental importância dentro da temática de História e Cultura Afro-Brasileira. Neste texto, porém o objetivo é percorrer o caminho trilhado pelo Movimento Negro Brasileiro até a consolidação da data. Damos destaque a quatro momentos importantes do movimento negro que deram visibilidade a essa causa, são eles: o Grupo Palmares, o Movimento Negro Unificado, o Memorial Zumbi e a Marcha Zumbi dos Palmares.

Grupo Palmares

A idéia de comemoração surgiu com o Grupo Palmares de Porto Alegre em 1971. O nome do grupo foi dado de início porque esses jovens negros já reconheciam Palmares como “ a parte mais importante da história do negro no Brasil” (SILVEIRA, apud Alberti; Pereira, 2007. p. 134). Esse grupo de negros reunia-se periodicamente e buscava uma alternativa ao 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura. Uma influência da época foi o fascículo Zumbi, o número 6 da série Grandes Personagens da Nossa História, da Abril Cultural, datado de 1969.
“Essa publicação fortaleceu no freqüentador Oliveira Silveira a idéia de que Palmares fosse a passagem mais marcante na história do negro no Brasil. Um século de liberdade e luta contra o escravismo imposto pelo poder colonial português era coisa muito significativa e animadora. E lá estava o dia 20 de novembro de 1695, data da morte heróica de Zumbi, último rei e líder dos Palmares, marco assinalando também o final objetivo do Estado e país negro” (SILVEIRA, 2003, p.25).
A primeira reunião data de 20 de julho de1971, o objetivo era formar “um grupo cultural com espaço para estudos e para as artes, notadamente literatura e teatro” (SILVEIRA, 2003, p. 25). Este grupo programou homenagens a Luiz Gama e José do Patrocínio, além de Zumbi dos Palmares. De acordo com Silveira
“parece lícito dizer que estava delineada uma precária, mas deliberada ação política no sentido de apresentar, à comunidade negra e à sociedade em geral, alternativas de datas, fatos e nomes, em contestação ao oficialismo do 13 de maio, abolição formal da escravatura, princesa dona Isabel”. (p. 27)
A homenagem a Zumbi ocorreu no dia 20 de novembro de 1971 e foi o primeiro evento comemorativo referente a Zumbi dos Palmares.
“No evento, dia 20, usando técnica escolar, os participantes do
grupo se espalharam no círculo, entre a assistência, e contaram a história de Palmares e seus quilombos com base nos estudos feitos, defendendo a opção pelo 20 de novembro, mais significativo e afirmativo na confrontação com o treze de maio.” (p. 28).
De 1972 a 1977, outros eventos foram realizados em comemoração ao 20 de novembro. De acordo com Silveira, essa primeira fase do Grupo Palmares encerra-se em 1978. O dia 20 de novembro, porém, já havia sido assimilado e incorporado a luta do movimento negro.
Em 1974 o Grupo Palmares publicou um artigo no Jornal do Brasil sugerindo “que o dia 20 de novembro, lembrando o assassinato de Zumbi e a queda do Quilombo dos Palmares, passasse a ser comemorado como data nacional, contrapondo-se ao 13 de maio. Argumentava que a lembrança de um acontecimento em todos os sentidos dignificante da capacidade de resistência dos antepassados traria uma identificação mais positiva do que a Abolição da Escravatura, até então vista como uma dádiva de cima pra baixo, do sistema escravista e de sua Alteza Imperial”. (NASCIMENTO, 2008. p. 89)

Movimento Negro Unificado


O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial realizou o seu primeiro ato público em 7 de julho de 1978. Essa primeira manifestação reuniu cerca de 20 mil pessoas nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.
O nome foi posteriormente simplificado para Movimento Negro Unificado (MNU) e foi resultado da reunião de vários grupos em resposta a situações de discriminação racial ocorridas em São Paulo. Sob a influência do movimento negro norte-americano e das lutas de libertação africanas, este movimento se caracterizou por um embate mais direto, realizando atos públicos e elaborando panfletos reivindicatórios. De acordo com Barbosa
“o MNU, fortalecendo a proposta do início da década de setenta, do Grupo Palmares de Porto Alegre, decidiu na Assembléia Nacional do MNU, em Salvador – BA, no dia 4 de novembro de l978, transformar o 20 de Novembro, no DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, data da morte de Zumbi, um dos principais comandantes do Quilombo dos Palmares, um exemplo de luta e dignidade para os negros e todos os brasileiros”.
O dia 13 de maio, até então data comemorativa da Abolição foi transformado em Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo.
Disputas internas enfraqueceram o movimento que, mesmo assim, continou existindo e ainda influenciou a criação de diversas organizações regionais do movimento negro.

Memorial Zumbi

Na década de 1980 surgiu o Memorial Zumbi “organização que reunia inúmeras entidades do movimento negro no esforço coletivo de recuperar [...] as terras da Serra da Barriga, local da República dos Palmares.” (NASCIMENTO, 2008. p. 156)

O Memorial surgiu a partir da iniciativa de criação do Parque Nacional Zumbi dos Palmares no local onde existiu o Quilombo dos Palmares em Alagoas. Integrantes do movimento negro, entre eles Abdias do Nascimento, Lélia Gonzales e Joel Rufino dos Santos, foram convidados a opinar, então o Parque, que inicialmente serviria somente como um projeto turístico, passou a ter um caráter histórico e cultural muito mais amplo contando inclusive com a participação ativa da comunidade negra.
A década de 1980 foi de conquistas do Movimento Negro:
“O Memorial Zumbi representava um novo momento na articulação do movimento afro-brasileiro, para além do âmbito de suas organizações locais ou regionais, em torno de uma proposta que reunia todas elas: o reconhecimento da memória de Zumbi dos Palmares como expressão nacional de luta pelos ideais de igualdade, democracia, liberdade e fraternidade tão caros à consciência cívica. A unanimidade em torno da figura de Zumbi e sua significação simbólica se tornaria um marco fundamental da luta do movimento negro nessa época. A vitória se consolidava progressivamente, e o dia 20 de novembro, aniversário do assassinato de Zumbi, foi definido como Dia Nacional da Consciência Negra. Em vários estados e municípios, a data passou a ser comemorada como feriado” (NASCIMENTO, 2008. p. 156).
Nessa época começou a tomar forma propostas de políticas públicas para afro-descendentes, que só se consolidaram na década de 1990 com a criação de órgãos de assessoria de governo em diversos estados.

Marcha Zumbi dos Palmares


Fernando Cruz/Em Tempo – Acervo CSBH

A marcha foi realizada em 20 de novembro de 1995 com o objetivo de comemorar os 300 anos da morte de Zumbi. Essa marcha - idealizada pelo militante do movimento negro Edson Cardoso - com destino a Brasília reuniu integrantes do movimento negro, do movimento de mulheres negras, de sindicatos e comunidades negras rurais.
Os ativistas entregaram ao então Presidente Fernando Henrique Cardoso um documento contendo várias proposições e, no mesmo dia, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra.
"Acho que, depois do centenário da Abolição, das marchas que fizemos por conta do centenário, a Marcha Zumbi dos Palmares pela Cidadania e a Vida, de 1995, foi o fato político mais importante do movimento negro contemporâneo. Acho que foi um momento também emblemático, em que nós voltamos para as ruas com uma agenda crítica muito grande e com palavras de ordem muito precisas que expressavam a nossa reinvindicação de políticas públicas que fossem capazes de alterar as condições de vida de nossa gente. Foi um processo rico, extraordinário. Eu fiz parte da coordenação executiva da Marcha naquela oportunidade, e a executiva foi recebida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquele ato, ele assinou o decreto de criação do Grupo de Trabalho Interministerial para pensar políticas públicas para a população negra. Dali surgiram, digamos, as iniciativas que o governo Fernando Henrique acabou tendo em relação à temática racial, que resultaram em políticas de cotas para alguns ministérios e tudo o mais." (CARNEIRO, apud PEREIRA. p. 238)

Considerações finais

O Dia Nacional da Consciência Negra surgiu como forma de auto-afirmação dos negros brasileiros. Lembrar o caminho traçado pelos militantes do Movimento Negro em favor da comemoração do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra é uma forma de valorizar a nossa história. Se hoje, pouco a pouco, a nossa cor se faz presente em propagandas, se discutimos políticas de ação afirmativa e temos, ainda que incipiente, o Estatuto da Igualdade Racial, tudo isso é resultado de uma luta que vem de longe e se materializa aos poucos em nossa sociedade.

Referências

ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar Araujo (Orgs.). História do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas, CPDOC-FGV, 2007.

BARBOSA, Milton. Movimento Negro Unificado: 27 anos de luta. Disponível em: http://www.tribunalpopular.org/?q=node/163

DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Revista Tempo, v. 12, n. 23. p. 100-122. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1670/167013398007.pdf

NASCIMENTO, Beatriz. O conceito de quilombo e a resistência afro-brasileira. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin. Cultura em movimento: matrizes africanas e ativismo negro no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2008. p. 71-91.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. O movimento social afro-brasileiro no século XX: um esboço sucinto. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin. Cultura em movimento: matrizes africanas e ativismo negro no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2008. p. 93-178.

PEREIRA, Amilcar Araujo. O mundo negro: a construção do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese (Doutorado)- Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2010.

SILVEIRA, Oliveira. Vinte de novembro: história e conteúdo. In: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto (Orgs.). Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003. p. 21-42. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/educaacoes_afirmativas.pdf

Sites

http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/consciencianegra/home.html

http://www.suapesquisa.com/datascomemorativas/dia_consciencia_negra.htm

http://www.planalto.gov.br/seppir/20_novembro/apres.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário